quinta-feira, 17 de novembro de 2011

do interesse

Primeiro foi o contato interesseiro, daqueles de quem se aproxima por puro interesse mesmo. Interesse. Só interesse. Ele ainda pensou que era ela querendo ser amiguinha ou algo assim, mas era só interesse. Ainda fez umas brincadeiras idiotas na escada, apostando corrida, e limpou o rosto dela, melado de rímel. Rímel lembra Himmel, que quer dizer 'céu' na língua alemã. Era a rua que marcava um livro que marcava ela, pra ele. Os olhos não tinham mudado muito com o tempo. Os cabelos se tornaram menos naturais e o rosto adquiriu algumas feições diferentes das de outrora. Ele só se deu conta disso quando estava preocupado tentando consertar o carro, quebrado, na frente da casa dela. Simpática como sempre, não tinha contato com os vizinhos ainda. Teria facilitado a vida de todo mundo de uma forma considerável se, ao menos uma vez, ela abrisse as portas pro que é novo sem ter muito receio. No seu ínterim possuía uma força muito grande, e era dessa força que ele tinha sentido saudades durante esses três longos anos. Claro que, naquela conversa-de-colo, que ele tinha imaginado infinitas vezes como seria, ficou acertado que, caso tivessem continuados amigos após o rompimento-final, provavelmente seriam necessários mais três anos pra que tudo ficasse bem, ainda que por interesse. Mas o que aconteceu foi que o interesse moldou a situação de tal forma que começaram a ser sustento um pro outro novamente. Mas agora era diferente, agora a visão tinha um teor diferente: não havia malícia ou segundas nem terceiras intenções, era tudo simples e líquido. Por mais que ele tivesse feito aquela-promessa-que-ela-odeia, não haviam intenções a mais. A única intenção que ele tinha era cuidar dela e se fazer presente. No fim das contas o que acabou foi o namoro, mas o apreço, o carinho e o amor permaneceram os mesmos. Pelo menos pra ele. Descobriu que não queria estar com ela pelo fato do que ela foi um dia, mas pelo fato do que ela representa pra ele: a experiência pra lidar com ciúmes, a sabedoria pra controlar impulsos de loucura, ainda que ele se pegue comentendo alguns infanticídios; a casa que serve como abrigo num dia em que o carro não queira pegar e, claro, o abrigo oferecido pelo abraço dela. De todas as pessoas que ele carrega talvez ela fosse a que ele sempre carregou, mesmo não querendo ou mesmo na distância. Hoje, passando por ele, vi que ele está um tanto mais aliviado: tem novamente aquele-colo pra repousar.

segunda-feira, 24 de outubro de 2011

das asas, do querer e do fim

Desceu do ônibus ofegante: a corrida pra não perdê-lo foi árdua. Carregava nas mãos um par de asas e um relógio, que ia dar de presente a ela. Dos dois, ele sabia muito bem que ela só iria aceitar de bom grado o primeiro, pois o relógio era uma coisa que ela, por mais que quisesse pedir, sabia ser caro demais. Coisas caras são difíceis de se pedir. Antes, nos dias de antes, ele poderia definir a cor que cerrava o dia, em todos eles. Porém, nesse dia ele não foi capaz de distinguir nada, nenhuma corzinha ao longe do horizonte; nada. Atravessou aquela esquina de sempre, com aquela igreja que sempre o chamava atenção (sempre olhara para a torre, ao longe, quando criança). Enfim, bateu na porta da casa de número 96. Era "a terceira rua à esquerda, após a padaria". Foi assim que ela explicou a ele da primeira vez. Jamais esqueceu. Ela estava vestida com aquele casaco verde de sempre, que combinava com a cor dos olhos, ressaltando também o sorriso. Abriu espaço pra que ele entrasse, sempre o observando com o olhar receoso. Chegaram ao quarto de sempre, àquela mesma bagunça de sempre, na mesma cama de sempre. Conversaram um pouco sobre as coisas da vida, como de praxe. Falaram do que havia acontecido na semana, sobre como aquele amigo em comum havia ficado chateado por conta de uma brincadeira qualquer e sobre como aquele novo sobrinho dele era bonito. Até que chegaram no diálogo de sempre, no assunto de sempre (com os mesmos carinhos de sempre).


- E então...
- E então que eu vim te trazer dois presentes. - entrelaçou a mão direita na mão esquerda dela. Isso é engraçado, pois, nessa hora, a mão esquerda representava o coração que queria mas se negava, e a mão direita, dele, a razão que precisou de toda-força-do-mundo pra aparecer. Ela o observou estranha, mas ele continuou. Estendeu as asas pra que ela pegasse. Ela pegou. E ele continuou:
- Mesmo assim, mesmo depois de tudo isso, e mesmo sabendo que eu provavelmente não lhe valha a pena, por qualquer motivo que seja, estão aqui as asas que você queria e precisava. - ela segurou-as meio trêmula, meio incerta sobre o que queria; mas, ainda assim, segurou-as. Ele continuou:
- Está aqui, também, o relógio necessário. Eu sei que você não vai querer aceitar e que vai se sentir culpada, mas é um presente de bom grado. Ele não marca o meu tempo ou seu tempo, ele marca exatamente o Tempo Certo. Se acontecer do Tempo Certo coincidir com o seu tempo e o meu tempo, eu vou querer as asas de volta. Caso contrário, você pode continuar com as asas e planar sobre qualquer outro jardim. Só te peço que seja um jardim mais bonito que o meu.

[...]

domingo, 11 de setembro de 2011

da estorieta nossa

Irei burlar a segurança do blog pra colocar um continho que só deveria vir depois de outros dois que já estão prontos.

'Conheceu-a numa noite qualquer, vestida de chuva e nuvens de neblina. O palco à sua frente cantava as músicas de estórias anteriores, que já havia vivido há muito... Tropeçaram um no outro como aqueles tropeços de palhaço-bobo-de-circo, que tropeça pra fazer graça ao mundo que o cerca. Um comentário engraçado e uma cumplicidade repentina fizeram do show uma música só, cantada no ouvido, cercada de elogios e espanto por parte da menina-que-não-se-enamorava-em-festas. Houveram telefones trocados e o próximo fim de semana marcado. Depois, foi um avião e dois mil e quinhentos quilômetros de saudade.'

quarta-feira, 3 de agosto de 2011

das velhas estórias novas

Vamos que hoje começaremos uma nova saga, trate logo de entrar! Achei esse livro perdido na estante dos livros que não me convinham mais. Contém estórias e contos, chamegos e conversas das mais bonitas que um dia já li. Trata-te logo de acomodar-te que, pela primeira vez em anos, estou eufórico! Esse texto foi retirado de um diário de um senhorzinho que morava pras bandas do Nordeste. Costumava viajar muito e fazer de tudo um pouco. No total, são 10 volumes que tratei de trazer aqui pra baixo. Pois lá vai:

"26 de Abril de 1810, Oxfordshire, Inglaterra.

Hoje parece mesmo foi que o mundo acordou torto. As saudades das coisas do Brasil me são grandes. Lembrando-me de tudo que já me ocorrera na vida, lembrei-me sim daquelas coisas todas que percorreram os caminhos que nos levaram à distância. Antes fosse distância só em milhas de quilômetros, não anos-luz. Percebia em suas vestes que a armadura que usavas não lhe caía bem, nem mesmo lhe fazia uma pessoa melhor. A infelicidade que insistias em buscar não fazia de ti uma pessoa melhor, apenas te fazia mais infeliz. Nem mesmo nossos poucos momentos de júbilo se sobressaíram ante todo o ocorrido. Hoje nem nos conhecemos mais, mesmo quando nos esbarramos nas ruas sujas da cidade. Pode acontecer, nesse infinito universo de infinitas possibilidades, que um dia nos reencontremos e conversemos naquele banco de praça, enquanto os outros nos observam; e pode acontecer, sim, de que quando lembrares da rosa e da carta, ou das coisas do mar que te entreguei, teu tempo já tenha passado e eu esteja naquele bar que bem conheces, rindo do que um dia eu mesmo achei bonito."

quinta-feira, 10 de março de 2011

do sonho bom

Para Talita Stael.

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Sonho é destino.

Os preparativos haviam começado meses antes, cerca de 6 ou 7, não lembro bem. Seria uma van ou um ônibus, mas ela não sabia ao certo. Ainda pensou em tentar achar carona, pois em 1993 viajar entre estados diferentes era caro e os pais não podiam disponibilizar dinheiro pra certas regalias, além de estarem amarrados em aceitar a idéia. Era a mais velha, mas mesmo assim havia resistência. O suficiente era o necessário e vice-versa. Como não podia pagar pra ir, tinha de conseguir quem pagasse, seria o show da sua vida! Assim entendeu que poderia ela mesma organizar uma caravana. Até que começou-se a divulgação. A internet mal existia, então tinha de divulgar nas rádios e com cartazes nas universidades. Conseguiu um amigo para bolar os cartazes e este foi quem a ajudou a divulgar. Não tardou para aparecerem os primeiros interessados. Parecia até que era show do Orlando Silva e todo o fã-clube Sinatra Farney* estava querendo ir. As ligações pro telefone da casa estavam cada vez mais frequentes: o preço da caravana era bom e cada um tinha de se responsabilizar pelo seu ingresso. Houveram relatos de pessoas que viajaram só para comprar os ingressos. Então passaram-se os meses e os dias, e nunca um LP foi tão findado pela agulha de uma vitrola como aqueles que residiam à rua Raimundo Marques Por Deus. Uma semana antes do show estava tudo pronto: após algumas desistências, o veículo foi fechado com 15 pessoas, sendo 14 pagantes. A rádio local tinha feito um convênio com a Rádio Recife**, na qual 5 fãs poderiam conhecer os seus ídolos se participassem com depoimentos e crônicas relacionadas ao grupo. Após algumas perguntas respondidas na rádio, uma semana depois estava ela sendo entrevistada por um estagiário da assessoria de imprensa da empresa que estava produzindo o show. Contou suas estórias relacionadas à banda e como havia se tornado tão íntima daquele rock alternativo que misturava uns metais e algumas letras românticas ao som que produziam. Pode-se dizer que ela ajudou mesmo a mídia. Segundo disseram, essas informações sairiam num jornal local, que tratava exclusivamente de artistas, fofocas e afins. Acertou com a empresa caseira que fazia transportes e com a padaria do bairro pra que fizessem alguns salgados, como aqueles que costumava comprar com sua avó. Então a semana chegou. O show seria na sexta-feira, dia 15 de Outubro de 1993. E como dizem por aí que tem sempre um telefonema que muda sua vida, assim aconteceu. Na quinta ligaram à tardinha da empresa lá do Recife, procurando por ela. Deram um endereço e uma promessa de camisa-de-camarote-vip, e disseram ainda que às 23 horas ela deveria estar na escada que levava ao camarote, a fim de evitar um arrependimento pro resto da vida. 'Só pode ser pra conhecê-los!' pensou. Ao desligar o telefone, um desatino de alegria surgiu na mente e passou pro coração e pro rosto, fazendo com que aquele acelerasse e com que este colocasse um sorriso de orelha-a-orelha. Colocou o LP que mais gostava na bagagem. Tinha marcado de encontrar os viajantes num ponto turístico da cidade. Como de praxe, saíram atrasados. Antes disso ela ainda conseguiu rasgar a calça que vestia, mas nessas horas as atrasadas a salvaram levando uma calça de casa. Após o sorteio de dois LP's (brinde da caravana), partiram viagem. O motorista se chamava Sérgio. Foram salgados variados que todos comeram na parada em um dos postos de gasolina do trajeto. Uma das pessoas que estava na caravana era seu ex-namorado. Incrivelmente se deram bem, sem corações palpitando ou sem desconforto. Chegaram exatamente às 18hrs na cidade. Antes, claro, passaram pra pegar a camisa da sorte na base operacional da empresa produtora do evento. Seria um evento grande. Chegaram ao Centro de Convenções de Olinda às 19 horas. Foi uma longa espera. Às 22 horas se dirigiu à escada, ela era daquele tipo apressada. Não demorou até que o rapaz da agência a achasse e esboçasse um sorriso lindo quando a visse. Ali nasceu um olhar. Ela esperou só mais uns minutinhos até que chegasse sua pulseira de acesso ao camarote. Enquanto isso, um "DJ" sacudia a noite dos seus companheiros de viagem e dos cerca de dezoito mil fãs. 'Vocês vão conhecer ele, não saiam daqui!' Foi a frase mais bela que ela jamais ouvira em toda a sua vida. O plural se referia aos outros 4 fãs que ajudaram a assessoria de imprensa tanto quanto ela. Coração aos pulos, comeram alguns chocolates do buffet do camarote e partiram rumo ao camarim. Já havia se enturmado com dois rapazes do grupo de 5, sempre foi melhor amiga do sexo oposto. Passaram pelos seguranças, com sua devida permissão e percorreram um corredor semi-iluminado atrás do palco. Foi um dos únicos dias em que ela viu pessoas sorrirem verdadeiramente por 'quase nada' o tempo todo. No camarim, cheio de repórteres, a vida acontecia e o mundo girava. Ela os conheceu sim e teve até um romance com o assessor que a ajudou a tal feito. Mas o que aconteceu no camarim e durante o show fica a cargo da imaginação de cada um.

(ou das lembranças de quem esteve lá)

* Clube composto por integrantes da bossa nova nos anos 40
** Rádio fictícia

terça-feira, 11 de janeiro de 2011

dos grupos

Hoje eu quero filosofar, então trata de acomodar-te logo!
Vamos falar sobre grupos.
Tem sempre aquele lado da família que você gosta mais, que te faz sentir mais em casa, por mais que sua casa seja a casa de todos os tios e tias e primos e avós. Às pessoas desse grupo nós damos o direito de falarem das nossas vidas e se meterem quando quiserem, por mais que desejemos com toda a força do mundo facultar esse direito em alguns momentos. Nossos deveres para com eles são claros: agir com calma, não xingar nem falar palavrão. De todos os grupos da sua vida, provavelmente é o único que está sujeito a essa regrinha dos palavrões e que sempre o estará. E ainda que a regra seja violada, é o único caso em que você pede desculpas sinceras a alguém porque se arrependeu, e não porque é apenas mais uma convenção social.
Seguindo a linha, tem o grupo que você chama de 'grupo de amigos', seja no msn, orkut, facebook ou twitter. Mas aí temos uma diferença: os amigos são aquelas pessoas que a gente deixa fazer falta e não sente vontade de cobrar presença ou atenção. São exatamente aquelas pessoas que chegam, às vezes sorrateiros ou como ex-namorados, e ficam pra valer. Na vida, não acredito que consigamos mais que 5 verdadeiros amigos, é quase impossível!
No mesmo parâmetro das redes sociais, existem os amigos das redes sociais, que normalmente são colegas de classe ou de trabalho, que a convivência (às vezes fatídica) nos obriga a ter em nossas vidas. A grande maioria nem faz falta, serve só pra acompanhar suas conversas durante as aulas, completar o número de integrantes do seminário e ouvir seus infanticídios - adoro esse termo! - em horas de desespero nas quais os amigos não podem estar presentes.
Família? Sim, claro, mas nem sempre contamos tudo à família, não é?
Existem uns grupos que são pra sempre enquanto duram, grande maioria acontecendo em fins de ensino médio. Daí, na universidade, percebe-se que era tudo muito utópico e que aquelas pessoas quase não são vistas por você em sua nova rotina.
Existe também o grupo do passado. Aqui se enquadram os ex-namorados que temos raiva, colegas da turma de mil-novecentos-e-não-sei-quando e afins.
Nesse âmbito, haverá de lembrar daquelas pessoas que se enquadram num grupo distinto do que convém à sua rotina: o grupo dos que passaram mas que não foram. É como se tivessem feito uma prova de vestibular e tivessem sido reprovados: por isso não saíram do lugar (que você pode chamar de 'coração'). Aqui se enquadram as pessoas a quem você quer muito, muito, muito bem mas que, de alguma forma, falharam com você. Só que você sente vontade da presença alheia de novo, entende? E é a esse grupo que você dá o direito de voltar atrás quando quiser, nem que seja pra um abraço ou uma conversa rápida e boba; e é a esse grupo, também, que você se dá o dever de manter as portas e janelas abertas pra que voltem a habitar quando sentirem vontade. Só que dessa vez você deverá ter se dado o dever de abrigá-los da mesma forma - senão melhor - do que era antes, pra que não haja distinção. Dentre o grupo, tem sempre aquela(s) pessoa(s) que nem fazem falta enquanto não são lembradas mas, quando o são, parece que metade do tempo da Terra passou e que aquelas lembranças oram todos os dias pra que o futuro se ajeite e fique tudo em paz. Mas aí o futuro já é seu presente, porque já se passou muito tempo. Presente que você dá a si mesmo.