quinta-feira, 19 de agosto de 2010

deles

E foi assim que aquele 17 de Dezembro se findou pra sempre na memória. Engraçado, não?
A vida passa por nós de uma forma que nem percebemos. Lembro que uma vez uma certa menina apareceu na minha vida. Eu era jovem ainda, devia ter meus vinte anos, na flor da idade! Ela era daquelas belezas simples, sabe? Pele cor de neve, boca delineadamente fina, cabelos bem cuidados e de um abraço que dizia 'você está em casa agora'. Não era muito alta, claro. Mulheres altas nunca me chamaram a atenção. Mas também ser tão baixa não vale! Era inteligente, sim. Só não se esforçava muito na hora certa. Deixava as coisas irem acontecendo e levando e só parava pra se importar mesmo quando era a última chance que tinha. Ela gostava muito do silêncio. O silêncio, para ela, era como se fosse sua cápsula protetora, o local não-geográfico onde ela se encontrava em seu mais ínfimo momento-de-si. Ela curtia estrelas e tinha uma peculiaridade ímpar: não fumava, mas adorava cheirar cigarros. Não 'cigarros', cigarros mesmo, daqueles que você compra em qualquer mercadinho de esquina. Seu olho era bem escondido pela distância pequeníssima entre suas pálpebras e, quando ria, sumiam mais ainda. A forma como ela andava era uma forma preocupada, uma forma de quem tem algo inquieto dentro de si, como uma vontade de sumir do mapa ou o desejo da necessidade de ser feliz. Quando andava, lembro bem, colocava uma cara de menina marrenta fechando os olhos, franzindo levemente o cenho e um semi-bico de quem diz 'vai encarar?'. Era até engraçado. Lembro que eu costumava rir por isso. Tinha poucas amigas e amigos, os quais prezava bastante. Entretanto, não tinha o costume de desfrutar totalmente dessas amizades: quando estava mau por algum motivo preferia se isolar do mundo. Ficar no seu cantinho esperando a tempestade passar. Sua maior dor, talvez, era não lutar contra o que lhe fazia mau ou não lutar de verdade pelo que ela queria. Tinha muitas cicatrizes, como qualquer um. Às vezes eu achava que a entendia, mas eu não entendia era nada. Nunca mais tive notícias dela, nunca mais mesmo. Melhor pra nós dois foi ter se afastado naquela época, era perigoso demais se ficássemos perto um do outro. De qualquer forma, com o rompimento, ela me apareceu em sonho algumas vezes e ainda procurei seguir seus passos sem que ela soubesse, mas nem deu certo. A vida obriga a gente a seguir de vez em quando e... Meu Deus, estou falando da minha vida pessoal! Droga, desculpe, desculpe, desculpe, vamos voltar ao livro!


"- Mas tu num pode se entregar assim não, criatura!
- E que que vou fazer eu se o afeto que eu tenho guardado por tu é maior e mais insistente até mesmo que o tal do Lampião quando quer as coisa?
- Tu deixa esse negócio de lado, ora! A gente já tentou que só a gota e não deu certo, só fizemos foi ficar se lamuriando.
- Mas num deu certo porque teu coração que não te deixa amar, Conceição!
- Num é isso, João. A gente tem 19 anos nas costa, dois junto e já discutimos isso por demais. Eu já disse que você sempre cobrou muito de mim, ora! Eu num posso te dar mais nem menos do que tu espera não. O amor que eu tenho pra dar é esse, não é bom nem é ruim, é esse. Por tudo que é mais sagrado, entenda! Agora o que num dá é ficar nesse vai-e-vem da mulexta, eu não aguento mais.
- Mas entenda meu lado também. Tu num entende não, né? Depois que ficamo estranho um com o outro tudo mudou. O que era primavera virou verão, Conceição. E esse verão é inconstante desde que tu resolveu me deixar. Mais parece um carnaval... - nessa hora, seu olho lacrimejou - ... a gente passa um ano sem se ver mas quando se encontra é como se um zilhão de alegorias coloridas vibrassem aqui dentro procurando ser campeã de alguma coisa. Tu devia saber que essa coisa que eu quero conquistar é esse teu coração, ora!"

terça-feira, 10 de agosto de 2010

17 de Dezembro

Ai, ai. É muito bom receber visitas. Tem dias em que o dia não quer dormir. Nessas horas bate um cansaço enorme, um cansaço que leva o corpo e a alma. Eu decidi falar um pouco de mim agora. De mim mesmo, sabe? Depois prometo que te deixo falar de ti. Deixa eu, apenas um pouco, pôr esses livros em cima da mesa e começar a folhear palavras minhas, deixa? Agora vou falar da minha infância. Adoro-a! Acho que tive infância mesmo, daquelas de se lembrar pro resto da vida. Vou falar um pouco da infância e da descoberta do amor, certo?

"Ah, jamais hei de esquecer aquele 17 de Dezembro!
Essas datas perto do Natal sempre marcam, especialmente se estiverem perto do dia 25.
Lembro que minha família se preparava para viajar, e que lá na outra cidade, tudo estava tranquilo e bonito. Nos reuniríamos na casa da minha avó, como de costume, e cantaríamos ao som do violão do meu tio até 4 horas da manhã, lembrando do meu falescido avô.
Nesse dia, que caiu num sábado, o céu havia amanhecido claro-cinza, e tudo estava indo bem até demais. Havia passado no colégio sem mais preocupações [fora algumas recuperações, claro], o Natal com minha avó seria muito bom e o mar, ah, o mar que eu iria ver em breve me fazia lembrar dos meus momentos de paz.
O computador que meu pai havia comprado recentemente era bom, sim. Tinha até internet!
Pra um garoto de 15 anos, até que eu tinha uma vida legal. As coisas naquele ano de 1994 eram bem diferentes do que são hoje. Não tínhamos todas essas regalias que os jovens de hoje tem. Namorar? Só depois que toda a família de ambas as partes fossem conhecidas, e esse negócio de ir passar Natal fora era coisa de gente rica. Minha mãe trabalhava no comércio da cidade velha, num escritório de contas. Papai era vendedor, por isso não tinha um salário fixo. Dessa forma, era um mérito pra gente poder ir sem preocupações pra outra cidade. Tudo bem que o meu colégio devia estar atrasado uns 4 meses, mas dava pra fazer um esforço pra pagar em Janeiro, quando mamãe fosse receber o décimo terceiro salário.
Foi justamente no ano de 1994 que nos mudamos pra cá. A cidade é boa, tem pessoas legais, mas às vezes é muito pacata. Essa gente do interior é estranha. Tenho vagas lembranças de como minha mãe conheceu meu pai. Salvo engano foi num bar da cidade grande, um tal de 'Travessia', que era o bar do momento naquela época. Meu pai, que sempre foi festivo e estava morando com amigos numa casa alugada, vivia saindo pra esses cantos. Segundo ele, ele era o 'gatão' das festas. Mas o tempo vai passando, e percebemos que as coisas mudam. Vem tecnologia, vem e vão presidentes, desastres catástrofes, ah, várias coisas. Mas não quero me demorar a contar essa estória.
A internet naquela época estava começando a surgir, não tínhamos muitas opções de comunicação. No meu colégio, que eu não tinha ido antes por pensar que era caro demais, havia sido criada uma sala de bate papo num site para que as pessoas de cada sala pudessem se comunicar. Tudo começou no meio do ano, em Junho mais ou menos, quando ela me adicionou no que hoje chamamos de 'Perfil do Usuário' da comunidade online do colégio. Tudo aquilo era uma inovação, claro, nunca imaginávamos, em 1990, por exemplo, termos acesso a outras pessoas do outro lado da cidade pelo computador. O próprio Bill Gates, alguns anos antes, afirmou que não precisaríamos de um chip com mais de 128kb para processar nossas informações. Enfim, voltando ao principal, ela adicionou o meu Perfil da comunidade como um de seus contatos. O tempo foi passando e eu, ocupado com muitas outras coisas, não dava a mínima pra esse negócio via internet. Até que um dia, me vi sem nada pra fazer e liguei o computador [que, por sinal, ainda era um daqueles que faziam um 'beep' quando se apertava o botão de ligar]. Passei um tempo lendo as notícias dos novíssimos jornais 'online' e depois dediquei parte do meu tempo à comunidade do colégio. Então, vi o perfil dela. Tinha algo estranho escrito na informação 'cidade'. Algo sobre duas árvores, não lembro direito, mas isso me chamou a atenção. Então comecei a puxar assunto com ela, via internet mesmo. Era uma pessoa bacana, tinha um papo legal, e só depois eu vim perceber que ela era aquela garota que havia engessado o pé e tinha de ser carregada pelo porteiro nos braços até o primeiro andar por não poder subir as escadas. Eu morria de rir com aquilo!
Após uns dois meses do meu comentário 'ei, gostei do que tem escrito lá' ela veio conversar comigo. Interessante que o nome dela começava com a mesma letra do meu e que nossos aniversários eram no mesmo mês, diferente apenas em alguns dias. Nos tornamos bons amigos, de fato. Conversávamos sobre os dramas familiares, sobre o que tava acontecendo no mundo, até sobre música, que eu estava começando a apreciar um pouco mais. Já dizíamos 'eu te amo' antes de nos despedirmos, e dávamos abraços contagiantes no colégio, com direito a algumas conversas rápidas, mas tão maravilhosas! Foi então que se aproximava o dia que intitula esse conto. Era última semana de prova, lembro. Havia ficado em sete recuperações nesse bimestre, o que me tirou totalmente o tempo pra lazer. Ao término da semana, dei um suspiro de alívio tão grande que acho que minha mãe, que estava tomando banho quando eu cheguei, deve ter ouvido. Joguei a bolsa na cama e fui pro computador. E lá estava ela, toda linda, com uma rosa à frente do nome. Me convidou pra sair à noite, o irmão dela iria se apresentar num espetáculo de Natal. Eu já havia combinado com uma amiga minha para ir também, mas disse que aparecia por lá.
Passei o resto do dia descansando, quando só às 18 horas comecei a me aprontar. Coloquei um perfume bom, e minha melhor combinação de roupas. Acho que foi o banho mais demorado do ano. Cheguei na casa da minha amiga atrasado, e fizemos um rápido cooper até o local da apresentação, que era bem próximo à casa dela. As arquibancadas estavam todas postas de modo a formar um retângulo ao redor do palco circular, parecido com os velhos teatros gregos. Subimos, eu e minha amiga, à arquibancada mais alta. O espetáculo ainda ia começar, quando avistamos o pessoal que estudava lá no colégio sentados em cadeiras à frente da arquibancada que ficava do outro lado do diâmetro do palco, exatamente de frente para nós. Acenamos e eles retribuíram. Aquelas pessoas ao lado dela eram da família, reconheci pela idade de alguns e carinhos com outros. O espetáculo foi bom, e no meio do mesmo, uma garotinha de uns 6 anos vestida de anjo chegou para me oferecer uma rosa de papel crepon. 'É pra ajudar os meninos carentes, moço' disse ela. Não resisti e comprei. Rapidamente pensei 'porque não oferecer a rosa a ela?' mas como diabos eu ia fazer isso, eu não sabia. Perguntei à minha amiga e ela foi simples na resposta 'chega lá e entrega'. Mas só de pensar que um daqueles caras lá podia ser o pai dela, minhas pernas tremiam todas. Foi quando a vi levantando com a avó e saindo do espaço delimitado pelas arquibancadas. Iam a caminho do banheiro, que por sinal ficava atrás da arquibancada em que eu estava. De repente, me vi descendo as escadas ao som de algumas músicas natalinas, e indo pelo caminho que dava a volta na arquibancada paralela, de forma a seguir o mesmo caminho que elas, que já estavam voltando. Meu rosto corou e esquentou, enquanto a avó dela olhava pra mim e tentava entender direito se tinha ouvido um 'é pra você' e visto minha mão erguida com a rosa rosa azul de papel crepon implorando pra ser pega. Ela pegou, com um sorriso bobo no rosto, e me apresentou a avó dela. Ela me chamou pra sentar do lado dela, mas não poderia fazer isso. Não sem antes chamar minha amiga, que deveria estar morrendo de rir da minha cara lá de cima, observando tudo. Fui lá então, e chamei-a pra me acompanhar. Descemos e fomos nos sentar perto do resto do pessoal. Sentei ao lado dela! A olhei por uns instantes e dei-lhe um beijo rápido na bochecha. O tempo passou tão rápido depois disso que logo me vi em casa. Perto dela eu me senti em casa."